História de criação de um serviço de saúde para pessoas trans

Tudo começou naquela manhã do março de 2019, quando a Mayara Floss, sentada comigo na cozinha da Unidade de Saúde Costa e Silva, lançou a pergunta:

"- O que você acha se criássemos um ambulatório trans dentro do GHC"?

Naquela altura a empreitada me pareceu muito ambiciosa pelo lugar que ocupávamos - de residentes - mas logo pensei como seria incrível ter um serviço como esse em Porto Alegre, demanda antiga do movimento social de pessoas transexuais e travestis.

Inicialmente nosso grupo era modesto - nós dois juntos da Pamela Almeida e da Nicole Reis, médicas residentes em infectologia do mesmo grupo hospitalar - mas não demorou para termos no nosso grupo mais de vinte residentes com interesse em construir esse serviço. Tínhamos entre nós quase todas as profissões de saúde (serviço social, psicologia, terapia ocupacional, odontologia, farmácia, nutrição e enfermagem, além de médicos cursando as residências de medicina de família e comunidade, psiquiatria e infectologia) e começamos a nos reunir semanalmente, nas segundas-feiras, pós jornada de trabalho - que já fechava sessenta horas semanais!

Não nos importávamos de a reunião às vezes ultrapassar as 21h ou 22h. Estávamos muito empolgados com a possibilidade do serviço começar a funcionar e intercalávamos encontros técnicos (discutindo fluxos, atendimentos individuais e em grupo, natureza de cada intervenção, etc.) e encontros formativos (com discussão de filmes e artigos científicos sobre gênero e sexualidade).

Encontros iniciais do grupo de residentes construindo o AmiG

A escolha do nome também passou por muitas etapas e negociamos em muitas instâncias, sobretudo com a Gerência de Saúde Comunitária do GHC e com a Superintendência do GHC até chegarmos ao nome atual: Centro de Identidade de Gênero - AmiG. Mantivemos uma sigla afetiva que, no início, era utilizada para nos referirmos ao ambulatório de identidade de gênero que, mais tarde, foi reformulado para que não tivesse o peso de um serviço médico-centrado e fosse mais compreendido como um centro de atenção à saúde.

Conseguimos reunir uma equipe muito legal de profissionais preceptores também dispostos a dedicar esforços para esse sonho, conseguimos um local, salas de atendimento e até um logo, produzido pelo artista visual Caio Ramos de maneira voluntária:

Infelizmente a pandemia do Coronavirus nos pegou a todos em cheio e tivemos que adiar a inauguração desse serviço, previsto até então para abril de 2020. No entanto, "os sonhos não envelhecem" como diz a música, e agora damos seguimento à nossa formação interna com áudios sobre gênero e sexualidade gravados por nós para mantermos a equipe o mais atualizada possível e sensível para um atendimento qualificado às pessoas trans. Em breve postaremos os áudios para amplo acesso aqui no blog!

E pensar que tudo começou na cozinha do nosso Costinha!

Texto:
Guilherme Gomes Ferreira
Assistente Social Residente












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